Separado todo o diversionismo e excentricidades do polêmico vídeo, o que ficou? Primeiro, o conteúdo não surpreende, apesar de tudo. Lá está, o governo – leia-se Bolsonaro – do jeito que é. Que sempre foi.
A peça tragicômica serviu, com todo ardor, para aquecer a turba bolsonarista, sempre ávida pelo seu líder em estado de êxtase. E ele, na ‘reunião ministerial, estava in natura, solenemente transtornado em espasmos.
Parte de quem havia sutilmente se desencantado depois do desembarque fugaz do ministro Sérgio Moro se reconciliou. No dizer do decano Alexandre Garcia, foi um reencontro do capitão com seu eleitor, o raiz. Uma malta que carecia de um novo oxigênio para superar a asfixia diária de vexames.
A questão primordial, que ironicamente passou a ser secundária, graças ao exagero jurídico de Celso de Mello, surge morna na inevitável pergunta. Bom, mas o homem cometeu ou não crime de ‘interferência’?
Bolsonaro disse mais em entrevistas pós-denúncia de Moro do que no próprio vídeo. Ele queria, quis e tomou o controle da PF no Rio, onde um filho está em apuros. Mas, essa é a conclusão política. No direito, a coisa obedece outra ordem e para essa pergunta a resposta é caso para os juristas.
Renomados deles respondem “não” ou evitam emitir uma sentença definitiva. Para Davi Tangerino, professor de direito criminal da FGV, o vídeo ajuda a reforçar a narrativa de Moro, de “ingerência”, mas sozinho não é prova. O professor de criminologia da USP, Maurício Dieter: só há crime se for possível provar que houve interferência para proteger seus familiares de investigações, o que as falas no vídeo, por si só, não comprovam.
O professor de direito penal, também da USP, Gustavo Badaró, crava: “Continua na mesma. Choque de versões. Não vi nenhuma ‘bala de prata’ contra o presidente”. O presidente manifesta, sim, desejo de interferir de informações oriundas da Polícia Federal, mas não é possível presumir que o tenha feito para prejudicar trabalhos de investigação, conclui Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP.
Formalmente, Bolsonaro segue sem um crime comprovado na ficha. Não há previsão no código penal para as frases alopradas que arrota no público e no privado. E ainda tem um benefício que o socorre; o que seus adversários fizeram no verão passado transforma palavrões e desatinos em cócegas nacionais. Por isso, a turma que viu coisa pior, aplaude. Os que querem algo melhor esperam na arquibancada.